quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O Poder de Criação Feminino e a Inveja Masculina

          Esse texto é uma pequena brincadeira que resolvi fazer há algum tempo. Espero que gostem.



          A inveja pode ser definida como a vontade de possuir o que é do outro, e ao mesmo tempo desejando que o outro não mais o possua. Essa definição abrange objetos de valor material e também características inatas ou adquiridas. Esse sentimento é gerado pela incompetência ou a incapacidade de se adquirir o que é do outro.

          A inveja se faz presente no cotidiano popular, transparecendo na literatura, sendo exemplificada às crianças através de contos de fadas como A Branca de Neve, dos irmãos Grimm. No conto, a rainha, num arroubo de inveja, oferece uma maçã envenenada para se livrar da Branca de Neve. Aqui, o pivô de tal ato vil foi a beleza, a qual a rainha já possuía, mas não suportou ver na outra uma superior à sua.

          No cinema há o exemplo clássico do filme Amadeus, em que Salieri inveja o talento de Mozart, chegando ao extremo de arquitetar sua morte para roubar a autoria de uma de suas obras.

          Por fim, temos na religião, também, vários exemplos, sendo o mais emblemático o protagonizado por Lúcifer e Javé.

          Se a arte imita a vida, não é de se espantar que, no mundo em que cada um representa um papel de si mesmo, nossas relações também sejam marcadas por tais sentimentos conflituosos.

          “Venenosa e traiçoeira, a mulher era acusada pelo outro sexo de ter introduzido sobre a terra o pecado, a infelicidade e a morte. Eva cometera o pecado original ao comer o fruto proibido. O homem procurava uma responsável pelo sofrimento, o fracasso, o desaparecimento do paraíso terrestre, e encontrou a mulher. Como não desconfiar de um ser cujo maior perigo consistia num sorriso? Nesse retrato, a caverna sexual tornava-se uma fenda viscosa do inferno”. Assim escreve a historiadora Mary Del Priore, em seu livro Histórias Íntimas - sexualidade e erotismo na história do Brasil.

          O homem inveja o poder de criação feminino – por “poder de criação” entenda-se a gestação e todo o processo de formação de um novo ser. O útero é o gerador dessa inveja masculina por excelência. Nele, o homem é gerado e, com ele, a percepção da incapacidade de fazer o mesmo. Sócrates ilustrou bem esse fenômeno. Sua mãe era parteira. Além de tê-lo gerado e dado a luz, ela ainda ajudava outras mulheres a fazer o mesmo. Para a infelicidade de Sócrates, o golpe narcísico era duplo. A ele não era possível tirar da mãe a habilidade do parto, assim como não era possível atribuir para si o poder da concepção. Ele cria, então, a maiêutica, que em grego significa “arte de trazer à luz”. Ele ajuda seus discípulos a realizarem a concepção de suas próprias idéias. Na perspectiva freudiana, ao invés de recalcar a inveja, ele lidou com ela da melhor forma!

          A mulher, através do útero, personifica uma analogia com o divino, pois, apesar de precisar do homem para a fecundação, detém o poder de decisão sobre a vida que está sendo gerada. Poder esse que a cultura religiosa – que sempre exerceu e exerce muita influência – atribui somente às divindades. A mulher seria o lago de Narciso, refletindo para os observadores externos a potencialidade da criação e ao mesmo tempo o útero sendo a verve para as idéias que diminuem seu valor. Mexe com o brio masculino a possibilidade da mulher não precisar de um homem para decidir sobre uma vida que somente ela carrega. O homem tem fobia da possibilidade de se tornar descartável!

          Assim, o homem procura desconstruir a idéia da mulher criadora, geradora da vida, associando-a às idéias de insignificância e de morte. Seu útero é visto como um pênis invertido e os ovários representando os testículos. Sua importância era tão pequena que seus órgãos genitais não eram dignos de serem expostos. Ela é punida por deter uma habilidade, um conhecimento intrínseco. Constrói-se a Eva responsável por morder o fruto, gerando a desgraça, e a Pandora responsável por abrir a caixa, deixando escapar todos os bens. Está formada a ideologia. O homem ergueu a mulher causadora de toda gama de desgraças para refutar a mulher que possui em si o oco gerador da vida.

          A inveja masculina está enraizada em seu orgulho, e também em sua ingratidão, pois ao condenar a mulher, o homem se esqueceu de quem o gerou.