quinta-feira, 20 de setembro de 2012

La Distance

Bohumir Roubalík -A Portrait Of a Man
Fui assistir a um espetáculo de dança, a convite de minha nova namorada. Fui com poucas expectativas e muitas reservas, pois o espetáculo se realizaria em um teatro não muito valorizado pela crítica. Sou daqueles que julgam o livro pela capa.

Ao chegar à porta do local, com o letreiro apresentando algumas luzes apagadas e outras penduradas por um fino fio, li o título maltratando a delicadeza do idioma francês em que se lia "La Distance". Tive vontade de voltar para casa.

Depois de enfrentar a fila -pequena- e pagar pelo ingresso, sentei-me na dura cadeira. Minha sala de estar me pareceu bem mais aconchegante sob essa perspectiva. As luzes ainda estavam acesas e minha companheira resolveu ir ao banheiro. Comecei a observar as pessoas sentadas na sala, como ávidos comensais querendo adiar ao máximo sua espera para aumentar o êxtase da saciedade.

Um detalhe, porém, me chamou a atenção. Parecia gritar bem baixinho em meio aos murmúrios: quase todas as pessoas presentes eram homens. E quase todos gays. Ao menos assim me pareceram. Exigi uma explicação de minha companheira e para minha surpresa, o espetáculo consistia em uma dança entre dois homens. Ela insistiu para que eu ficasse, que no final eu me surpreenderia. Novamente a vontade de ir embora. Mas resolvi fazer essa concessão como quem realiza o último desejo dos outros.

Os dois homens começaram a dançar em movimentos semelhantes a cortejos e olhares firmes, com a sedução calculada em milímetros. Movimentos em espiral como quem traga um ao outro para o abismo que há em si. No decorrer daquilo que parecia ser a apresentação mais bizarra que já tinha visto, aquilo tudo foi tomando conta de mim e aos poucos a beleza dos gestos foi destruindo as barreiras que construí ao longo dos anos. Uma a uma, elas caíram e no fim eu já estava em lágrimas, arrebatado pelo frenesi crescente e o beijo de despedida no final.

Em meio aos aplausos, as luzes já acesas, senti meu rosto enrubescer ao reconhecer meu filho ali em cima, em seu pedestal simbólico, sendo aplaudido de pé. Eu era um torvelinho de sentimentos. Ira, medo, confusão, arrependimento, vergonha. Tudo ao mesmo tempo. E tal como uma caixa de Pandora, os sentimentos foram se esvaindo, escapando do peito e me fazendo arfar desorientado. Não sei dizer bem o que prevaleceu, mas passado o atordoamento, eu só queria um abraço. Era meu filho que estava ali. Meu filho. MEU FILHO.

Abracei-o. Um abraço voraz, sem deixar transparecer a fome do contato, que tentava em vão encurtar toda a distância que coloquei entre nós durante tanto tempo. Nenhum de nós disse nada. Ele leu em meus olhos que sua sexualidade já não me importava mais. Ele era um ser complexo, possuía uma vasta existência. Prender-me somente a um ponto de toda essa trajetória seria limitar a mim e a ele. Aceitei-o em meus braços como uma criança que ele já não era. Nós, pais, percebemos em algum ponto da vida que aos nossos olhos nossos filhos não crescem.

Fui surpreendido por minha própria voz a perguntar o que eu relutava em querer saber: o quanto da sua vida eu perdi? Eu não queria saber a resposta, pois ela denunciaria minha ausência, que denunciaria minha incompetência como pai. Como pude ser tão negligente? Neguei a meu filho o que eu poderia oferecer de mais generoso: o diálogo. Não parei para escutar o que ele tinha a dizer, suas inseguranças, seus medos. Apenas afastei-o quando ouvir-lhe as palavras seria um gesto de amor. Escutar exige atenção, exige compreensão, exige carinho. Meu olhar desesperado deve ter-me denunciado, porque ele balançou a cabeça e fez um gesto canhestro como quem diz que isso também não importa. Senti vergonha de mim.
Foi tudo tão breve quanto sua partida. Ele saiu apressado, pois tinha um compromisso. "te ligo mais tarde" foram as únicas palavras que ele disse durante todo nosso fugaz encontro. Ele já tinha partido, mas eu continuava a repetir "me desculpa". Mas era pra mim mesmo.

sábado, 1 de setembro de 2012

Conversas

Diego Velázquez -As Meninas
Todo leitor é um escritor.
Um novo livro é escrito no ato da leitura.

Todo contemplador é um artista.
Uma nova obra de arte é feita na observação.

Todo leitor de poemas é um sofredor.
Um novo poema é escrito no choro.

Toda arte é desfeita e reconstruída quando alcança o interlocutor. Porque é disso que ele precisa: interpretação. Através da interpretação que se forja o diálogo entre o artista e o admirador de sua obra.

Diálogos
Conversas

O tempo me diz algo.
Mas não entendo.
Envelheço.

A lua me diz algo.
Mas não entendo.
Sonho.

O sol me diz algo.
Mas não entendo.
Cego.

O mundo me diz algo.
Mas não entendo.
Giros.

O tempo me diz algo.
Mas não entendo.
Passo.

A verdade me diz algo.
Não entendo.
Minto.

O silêncio me diz algo.
Mas não entendo.
Ele me cala.

Conversas que não se sustentam e me concluem.