segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Asilo Para Jovens

Tetsuya Ishida
É prática comum dos Estados criar guetos para quem foge ao padrão não "contaminar" o restante.
Conviver com as diferenças é tarefa difícil demais para quem adota o etnocentrismo como prática espiritual. Quando há diferenças, o errado é o outro. Isolemos, pois, as diferenças.
Aqui somos deixados e esquecidos como velhos objetos numa casa abandonada.. pó. Claro que é um gesto de amor. Pelo menos é o que nos dizem: "aqui seremos bem cuidados, bem tratados, as refeições são no horário certo, há pessoas especializadas para lidar conosco". Sempre o bom discurso de benevolência, cinismo que sempre vem travestido de caridade. Mas há um fator que não entra na conta: quero ir pra casa.
Não me deixam ir. Aqui somos todos jovens. Mas o normal é ser velho, cabelos brancos, ter um andar curvado, um leve tremor nas mãos. Somos uma espécie de aberração enquanto não fazemos 60. Com o aumento da longevidade e a diminuição da taxa de fertilidade, a população envelheceu. Além disso, estão todos estudando mais. Com a popularidade da filosofia, as pessoas estão absortas demais na experiência do pensamento para pensar em sexo.
As mulheres não querem ser donas de casa e assistir a novelas enquanto os homens não querem mais assistir futebol e falar sobre sexo. Tudo mudou, tudo muda. Todos querem ser presidentes.
Os jovens foram se tornando minoria. E como toda minoria bem sabe, a maioria é cruel. A maioria é quem cria conceitos como "normal". O "normal" é invenção, não é mais do que a maioria que se denomina padrão. Quem não se encaixa é mero observador externo, fica à margem.
Se sermos deixados aqui é gesto de amor, inferimos que a convivência com os entes, na dupla banda da relação, representaria o ódio, a indiferença, ou qualquer outro substantivo antitético do amor.
Quero ir pra casa. O pedido é sussurrado, mas carrega a intensidade do grito. A maioria é velha de mais pra me ouvir se eu não gritar, então me sinto num monólogo de tragédia grega. Os velhos me assistem sem me ouvir, não há a catarse aristotélica. Esse fato é comum a toda minoria: não temos interlocutor. Ouvir é democrático demais pra quem se acostumou a hierarquias.
Quero ir pra casa. Mas minha vontade de nada serve. Vontade aqui dentro é caro, é requinte. Quem tem poder pra querer são os velhos, que vêm nos visitar uma vez por mês, deixando uma flor, esmola de falso carinho, e vão embora. Chegam com a flor, tomam o cuidado de abordar assuntos sempre superficiais -para não perscrutar demais nossas vontades-, sempre lançando olhadelas constantes ao relógio, deixam a flor e vão embora.
As flores sempre nos compreendem: são jovens e colhidas de onde gostariam de estar. Em seguida são colocadas solitárias em algum canto frio, esquecidas em alguma água que apodrece, para depois serem jogadas na vala comum. Elas são as únicas que compreendem meu arfar, que compreendem minha falta de ar. Talvez as flores me veriam se pudessem olhar no espelho.
Tenho 20 anos. Ainda faltam 40 para que eu chegue aos 60. A biopolítica -e a tanatopolítica- gosta desse cálculo sobre a vida, ou sobre a morte. Porque aos 60 eu morro, contrariando as expectativas. Morro por tudo aquilo que não vivi, por tudo aquilo que me calou porque não escrevi, por tudo aquilo que gritei mas só eu me ouvi, por todas as minha palavras que o vento carregou e não semeou. Mas acima de tudo, morro por todo aquele que, enquanto eu vivia, me enterrou.


Gosto desse vídeo. Tem tudo a ver com  o tema. E foi o que me levou a escrever o texto.
Alex Beaupain -I Want to Go Home