sábado, 11 de abril de 2015

A Infância de Jesus, sobre o livro de Coetzee



Um amigo veio me perguntar o que eu havia lido do Coetzee. Respondi "nada ainda" e recebi o espanto: "como assim você ainda não leu Coetzee?!". As palavras aqui não abarcam o nível de espanto nem a interjeição que antecedeu sua surpresa. Foi embora recomendando fortemente o autor, que eu já queria ler há algum tempo desde que li um texto muito bonito sobre o livro Desonra. Comprei o livro e li em pouco mais de um dia. Deixo aqui minhas impressões e algumas referências que me vieram à mente durante essa leitura tão gostosa.

Sobre A Infância de Jesus (Companhia das Letras, 2013), o próprio Coetzee fez um comentário curioso na Universidade de Cape Town: "Eu esperava que o livro aparecesse com uma capa em branco e um título igualmente em branco para que somente após a última página lida, o leitor encontrasse o título, isto é, A Infância de Jesus. Mas na indústria editorial, como ela se apresenta hoje, isso não é possível" -tradução livre-. Gostei muito, mas como bom cético, não vou entrar nos méritos da vida de Jesus. Aproveito somente a idéia da suspensão do título, que achei genial.

O livro começa com um grupo de pessoas que chegam de barco à cidade de Novilla. A essas pessoas foi dada uma nova chance de viver, que elas aceitaram, tendo de pagar na aceitação o preço do esquecimento da vida passada. Vamos conviver com Símon e David. Símon, homem de meia idade, resolve tomar para si a responsabilidade sobre o menino David, que quer muito achar seus pais. Ele diz que trazia consigo uma carta, e que lá havia o nome dos pais, porém a havia perdido.

Símon fica espantado ao perceber que ninguém na cidade se preocupa com o passado. Para eles, a vida passada é mesmo passada. Veio-me à cabeça o Mito de Er, da República de Platão, em que as almas têm de beber da água do rio Lete (esquecimento) e os sábios bebem pouca água, esquecendo menos e não tendo de repetir os mesmos erros na próxima vida. Fiquei sensibilizado por Símon. A curiosidade dele é mais profunda. Ele quer saber o que houve em seu passado, enquanto o menino quer saber de onde veio. Os dois têm curiosidade pela origem. Apenas viver não basta. E se já vivemos isso que está sendo vivido?

Símon e David sentem muita fome. Ficam frustrados com a falta de variedade. É sempre pão e água para comer e beber. Aí me lembrei da autobiografia literária do Bartolomeu Campos de Queirós -Por Parte de Pai, RHJ 1995-, em que ele conta que sentia uma sede durante as madrugadas de sua infância. O pai não trazia água, apenas vinha, colocava as mãos em concha na frente de sua boca e ele sorvia o nada. Claro que o nada na verdade era afeto. Ele sentia uma sede de afeto, assim como Símon e a criança. Símon chega até a ter relações sexuais com uma mulher que conhece. Mas a sede não se vai. Sexo não alcança a profundidade da necessidade afetiva que ele sente. Um belo retrato de muitos de nós.

O personagem segue montando seu destino, arruma um trabalho braçal, na estiva, e começa a sentir o peso da vida. Ele não entende o porquê de ter aceitado uma nova chance de viver. Começa a questionar o sentido da vida e aceita que achar a mãe do garoto talvez cumpra esse papel. Mas depois quer mais. Dialoga com as pessoas ao redor, que apesar de estudarem filosofia não enxergam um sentido para a vida além do trabalho. Se o trabalho é carregar sacos de grãos nas costas para que a população possa comer pão, que isso seja o suficiente. Ainda que estejam também sustentando os ratos do galpão onde tudo é armazenado. O trabalho não locupleta a vida e Símon permanece vazio, longe de se saciar de sentido.

O livro é uma bela reflexão sobre o estar vivo. Será que faz sentido? Penso que a vida não tem sentido algum. Mas aí se encontra a chave. A vida é invenção, e por ser invenção cabe a nós construir seu sentido. Podemos criar e recriar sempre que não gostamos do resultado. O autor, pude perceber com felicidade, trabalha essa idéia ao longo do livro. Achei tudo muito belo e fiquei emocionado com o resultado. Coetzee é daqueles autores que valem muito mais do que o preço que as livrarias estabelecem para seus livros. Comprando um livro dele, sempre lucramos sobre essa indústria editorial.

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