sábado, 15 de agosto de 2015

Náufrago

Paper Mache Boat -Ann Wood


O rapaz passou o café e tomou um gole. Não estava realmente com vontade. Apenas queria ficar acordado. Queria terminar o livro de poemas para a prova do dia seguinte. Lia as páginas desesperadamente enquanto umedecia o dedo na língua. Lembrou-se do livro O Nome da Rosa e ficou com medo de morrer envenenado pelas páginas dos poemas. É interessante como a paranóia nos acomete enquanto estamos sozinhos. Não somos completamente donos de nossos pensamentos. Somos também alteridade. Que desesperador.. Melhor pensar em outra coisa.

O rapaz fumou um cigarro. Não estava realmente com vontade, mas queria acalmar os nervos para conseguir se concentrar nos poemas. O cigarro não levou consigo a ansiedade, só deixou seu cheiro desagradável. O livro estava impregnado com o cheiro da fumaça de cigarros antigos. Como os cheiros carregam lembranças, as páginas lançaram no quarto um mundo inteiro repleto de passados. Reviver foi mais desagradável do que a própria fumaça.

O rapaz comeu um pedaço generoso de torta. Não estava realmente com vontade, mas sentia um vazio.. existencial, talvez. Já eram 4h da manhã e a madrugada solitária sempre acompanha a angústia. Ele nunca soube lidar direito com a solidão e não aguentava mais abrir redes sociais para não se sentir sozinho. Sua solidão não era saudável. Era  a solidão do abandono. E deixou-se abandonar nas páginas da Cecília Meireles. Chorou feito criança enquanto relia sem parar sobre o barquinho. O barquinho era metáfora para a sua vida:

"Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça."